O Fundador do Movimento Chassídico Chabad
Poucos luminares na história judaica, especialmente nos tempos modernos, fizeram uma contribuição tão profunda e duradoura à nossa herança espiritual como Rabi Shneur Zalman. Suas obras abrangem todo o espectro do pensamento judaico misticismo, filosofia, psicologia, ética e lei – e representam uma expressão de um gênio criativo sem paralelos.
Rabi Shneor Zalman de Liadi, que ficou conhecido como o Alter Rebe (1745-1812), foi realmente um gigante. Já em sua tenra idade, sua alma pura se notabilizou, chegando a lograr títulos antigamente conferidos aos Tanaím (sábios do Talmud). Como mestre exemplar, ele brilhantemente fundiu os aspectos revelado e esotérico da Torá, conforme indicado pelo seu próprio nome: Shnei Or (Duas Luzes).
Apesar de ser um dos discípulos mais jovens do Maguid de Mezritch, foi ele o escolhido para resumir de forma concisa as leis do Shulchan Aruch e incluir também os seus motivos. Esta obra se celebrizou e foi reconhecida no mundo judaico inteiro como o Shulchan Aruch HaRav. Na parte mística, é reconhecido principalmente pelo seu livro Tanya e suas centenas de Maamarim (discursos chassídicos), nos quais ele criou um sistema profundo e compreensivo para unir a materialidade e a espiritualidade.
Os trabalhos de ética judaica anteriores ao Tanya diferenciavam o Tsadic (homem justo) – de coração e atos perfeitos e puros – do Rashá (homem perverso) – de coração e atos perversos. Obviamente, muitas pessoas que se situavam entre esses dois extremos sentiam-se incompletas, pois não atingiam o estágio ideal do ser humano, o Tsadic perfeito.
O Alter Rebe colocou o seu ser humano ideal em um novo modelo espiritual, que ele chamou de Beinoni (o homem “alcançável”). Beinoni é o homem cujo caráter interno é similar ao do Rashá, consistindo na dicotomia entre bem e mal, que é o estágio original do ser humano, mas o comportamento do Beinoni é tão impecável quanto o do Tsadic.
Rabi Shneor Zalman nos ensina que, apesar do eterno conflito interno, o nosso comportamento, pensamento, fala e ação devem refletir sempre a nossa Divindade e espiritualidade inata. Este estágio é alcançável por todos. D’us não deseja que pessoas santas façam coisas santas; Ele deseja que pessoas não-santas façam coisas santas.
Os Primeiros Anos
Rabi Shneur Zalman era um descendente direto do Maharal de Praga. Seu bisavô viveu numa aldeia em Posen. A família mudou-se para a região leste, vagando entre a Galícia e a Polônia, e finalmente se estabeleceu em Vitebsk, na época um florescente centro de Torá e erudição talmúdica.
Ali nasceu Shneur Zalman. Ali, também, ele recebeu suas primeiras letras, e desde a mais tenra idade ele demonstrou um brilhantismo invulgar, diligência e devoção aos estudos.
Para desenvolver ainda mais a erudição do filho, Rabi Baruch levou-o a um renomado professor daquela época, Rabi Yissachar Ber de Kobilnik, que residia em Lubavitch. Sob a tutela de Rabi Yissachar, o jovem erudito atravessou “o mar do Talmud” em todas as direções, e familiarizou-se com a Cabalá, o lado esotérico da tradicional sabedoria de Torá.
Em seu tempo livre o rapaz tentava aumentar ainda mais seu conhecimento através do estudo de ciências e matemática. Não demorou muito e Rabi Yissachar Ber comunicou a Rabi Baruch, o orgulhoso pai de seu aluno: “Não há mais nada que eu possa ensinar a seu filho: ele me ultrapassou.”
Rabi Baruch então levou Shneur Zalman a Vitebsk. O menino, com doze anos, foi imediatamente reconhecido como gênio, e aceito como igual pelos maiores eruditos da cidade.
Casamento
Um homem abastado escolheu Shneur Zalman como genro e passou a sustentá-lo, para que ele pudesse devotar sua atenção exclusiva ao estudo de Torá.
Numerosas histórias sobre aqueles anos atestam a sede insaciável de conhecimento de Rabi Shneur Zalman. Sua sagacidade e proficiência como erudito lhe granjearam admiração de todos que entravam em contato com ele.
Aos vinte anos, ele jovem brilhante, com o consentimento da esposa, deixou o lar e a família para preencher uma ânsia em sua alma. Apesar de todo o ser conhecimento, ele sentia que estava faltando um elemento de experiência religiosa que não poderia ser captada na solidão das quatro paredes de seu próprio estúdio.
Dois centros de estudo e liderança judaica competiam por sua atenção: Vilna, a principal base da erudição talmúdica e a fortaleza da oposição ao Movimento Chassídico que crescia rapidamente; e Mezeritch, onde vivia Rabi Dovber, o famoso Maguid de Mezeritch, herdeiro da ideologia de Rabi Israel Báal Shem Tov e da liderança do Movimento Chassídico.
Desde o início, Rabi Shneur Zalman percebeu que a atmosfera discreta e racionalista de Vilna e seus eruditos, liderados pelo Gaon Rabi Elijah, não podia lhe oferecer aquilo que estava buscando. Como um aclamado erudito de Torá, Rabi Shneur Zalman sentia que sua necessidade não era de instrução talmúdica, mas de orientação no serviço a D’us (avodá). Portanto, decidiu tentar Mezeritch, onde um novo mundo o chamava. Um mundo – dizia-se – que ensinava seu povo a rezar.
Cheio de esperança e expectativas, porém com poucos recursos materiais, ele empreendeu a longa viagem. Para pagar suas despesas, fazia quaisquer serviços que aparecessem, cortarndo madeira e trabalhando na lavoura. Mesmo assim, teve de fazer a pé a maior parte do percurso até Mezeritch.
Mestre das Dimensões Reveladas e Ocultas
A primeira impressão do círculo de discípulos reunidos sobre Rabi DovBer de Mezeritch não foi muito encorajadora para Rabi Shneur Zalman. Ele tinha esperado uma grande academia repleta de personalidades brilhantes, eruditos e sábios. Em vez disso, ele encontrou um grupo de pessoas discretas que, à primeira vista, pareciam possuir pouco que valesse a pena pesquisar. Também não foi particularmente inspirado pelas piedosas admoestações que o Maguid de Mezeritch endereçava à multidão que se reunia em sua sinagoga.
Ele estava se preparando para sair, quando seus olhos se abriram para a verdadeira natureza do mestre e seu círculo mais chegado. Rabi Shneur Zalman tinha decidido prestar seus respeitos ao Maguid antes de voltar para Liozna. Ele entrou na casa do mestre e ficou no meio da multidão, quando Rabi DovBer o avistou. Seus olhos se fixaram nas profundezas do abismo da própria alma de Shneur Zalman, explorando e avaliando cada uma de suas qualidades.
Após alguns minutos de um silêncio repleto de significado, o mestre não apenas lhe disse o que estava em sua mente, mas sem sequer ter sido indagado, deu a Shneur Zalman respostas simples, mas convincentes, a algumas perguntas que o jovem erudito tinha preparado para assegurar-se do valor do mestre. Profundamente impressionado, Rabi Shneur Zalman implorou para ser admitido no seleto círculo de discípulos de Rabi DovBer.
Agora um novo mundo se desenrolava perante os olhos ávidos do erudito vindo de Liozna, à medida que ele absorvia as palestras diárias do Maguid sobre os ensinamentos do Báal Shem Tov. Na companhia de rabinos de grande renome, ele mergulhava no âmbito das relações sagradas que unem D’us, Israel, a Torá e o mundo em um sistema insolúvel de escopo universal.
O filho de Rabi DovBer, Rabi Abraham, que pela sua santa conduta mereceu o título de “o Anjo” (Malach), foi seu guia até esta esfera elevada de sabedoria e conhecimento. Por sua vez, Rabi Shneur Zalman instruiu-o no âmbito da Halachá – a parte mais importante da literatura talmúdica e rabínica sobre a Lei Judaica. Assim, o jovem Rav absorveu os fundamentos do Chassidismo e satisfez a ânsia de sua alma que o tinha afastado de seu lar e da família.
Ele jamais se arrependeu de ter escolhido Mezeritch em vez de Vilna. A princípio, Rabi Shneur Zalman desfrutou pouco prestígio entre os seguidores estabelecidos do Maguid, até que certo dia Rabi DovBer revelou as extraordinárias qualidades do Rav, e revelouo como uma “luz em Israel”. Ele instruiu Rabi Shneur Zalman, então com vinte e cinco anos, a reescrever o Código da Lei Judaica de maneira a incluir as decisões mais recentes.
Mal tinham se passado duzentos anos desde que Rabi Yossef Caro publicara sua obra prima, o Shulchan Aruch, e durante todo este período gerações de codificadores e comentaristas judeus – chamados “Acharonim” – tinham acrescentado e elucidado aquilo que teria sido a palavra definitiva na discussão da Lei Judaica.
Rabi Shneur Zalman deu total consideração a estes duzentos anos de comentários no Shulchan Aruch, e por meio de cuidadosa edição, ele apresentou o Código da Lei Judaica de forma precisa e acessível.
Esta, obviamente, foi uma tarefa das mais difíceis. Porém a obra foi cumprida de maneira tão magistral, que Shneur Zalman foi certa vez aclamado como um dos maiores eruditos de seu tempo, não apenas pelo mundo chassídico, mas por eruditos de todas as esferas.
Fundador de Chabad-Lubavitch
Após a morte de Rabi DovBer em 19 de Kislêv de 5533 (1772), seus discípulos se separaram. Cada um abraçou a tarefa de propagar o Chassidismo no país que lhe fora designado.
Rabi Shneur Zalman herdou a mais difícil de todas as missões. Ele deveria capturar a fortaleza dos que se opunham à divulgação do Chassidismo na Lituânia, para a ideologia e modo de vida chassídico. Isto ele faria, primeiro, junto com Rabi Menachem Mendel de Vitebsk, e após a partida deste para Israel, por si mesmo.
Um homem de menor estatura como talmudista não poderia ter aceitado tamanha missão, pois a oposição incluía alguns dos mais ilustres eruditos da época. Porém Rabi Shneur Zalman estava bem equipado para enfrentá-los em seu próprio terreno.
Suas tentativas para encontrar-se com o Gaon Rabi Elijah foram duramente rejeitadas. Apesar disso, ele continuou sua obra sem diminuir o zelo. Para surpresa de seus contemporâneos, tanto amigos quanto oponentes, ele foi bem-sucedido a um ponto considerado impossível.
Rabi Shneur Zalman não era um sonhador que vivia nas nuvens, mas um verdadeiro líder completamente cônscio das necessidades materiais de seus irmãos de fé, assim como de suas falhas espirituais. Sua extensa obra em prol do bem-estar econômico de seus irmãos é um capítulo em si mesma. O espaço permite apenas uma breve menção de alguns de seus notáveis esforços neste campo.
O interesse do Rav pelos seus irmãos estimulou-o a agir logo após seu casamento. Ele começou uma campanha para induzir mais judeus a se estabelecerem em fazendas para trabalhar a terra. Rabi Shneur Zalman devotou a esta causa não somente seus esforços, mas todo o seu dote.
A partir do ano 5532 (1772), Rabi Shneur Zalman engajou-se num extenso plano para induzir grande número de judeus que moravam na fronteira russo-polonesa a se mudarem mais para o leste, no interior da Rússia, onde as oportunidades de vida econômica eram mais promissoras.
Rabi Shneur Zalman também se devotou a atividades para angariar fundos visando a apoiar os novos assentamentos chassídicos estabelecidos em Israel. No entanto, seus esforços foram subseqüentemente distorcidos pelos seus oponentes, que o caluniaram e denunciaram ao governo russo, acusando-o de enviar fundos para o governo turco. O relacionamento entre os dois países estava estremecido naquela época.
Quando um decreto foi emitido em 5568 (1808) para a expulsão dos judeus vivendo em áreas rurais e em fazendas, privando milhares de famílias judaicas de seus meios de subsistência, Rabi Shneur Zalman empreendeu uma extensa jornada para levantar fundos em toda a Rússia, com a idéia de resolver emergência e criar os meios para a reabilitação destes desafortunados.
Esta obra teve continuidade, além de aconselhar e orientar seus milhares de seguidores, que se voltavam para ele em todos os seus complicados problemas.
Durante os anos de esforços para a melhoria da vida espiritual e condições econômicas de seus irmãos de fé, o Rav desenvolveu sua magnífica filosofia do Chassidismo de Chabad.
Das pessoas que o procuraram após seu retorno a Liozna, ele exigiu muito mais que o apoio irrestrito exigido pelas outras escolas de pensamento chassídico. As pessoas centralizavam sua ideologia no justo “tsadic” como alguém que possuía poderes sobrenaturais, mas ele apresentava a idéia do tsadic como líder espiritual, um mestre em vez de um fazedor de milagres.
O chassid deveria treinar-se para uma vida de fé e serviço a D’us, que o levaria ao nível mais elevado de Chabad, os três poderes do intelecto: Sabedoria, Entendimento e Compreensão (Chochmah, Binah e Daat), formando um vínculo entre céu e terra.
Sobre esta filosofia básica, Rabi Shneur Zalman construiu a estrutura da ideologia Chabad. O homem completo serve a D’us com a mente, coração e ação em uníssono, cada um complementando o outro. A mente entende, o coração sente e a mão realiza.
A substância dos ensinamentos de Rabi Shneur Zalman pode ser encontrada em sua contribuição mais importante para a literatura rabínica, o Likutei Amarim, mais conhecido como o Tanya, após a primeira palavras dessa exposição. Esta obra contém um esboço conciso de seu sistema filosófico como estilo de vida, e atesta sobre seu vasto conhecimento e sobre a profundidade de seu entendimento e domínio dos
ensinamentos esotéricos e exotéricos de nossos Sábios.
O Tanya tem sido, e ainda é, um texto sagrado para os milhares de seguidores de Chabad. É religiosamente estudado e memorizado tanto pelos jovens quanto pelos mais idosos membros do Movimento Chabad, e parece inexaurível em todo nível de abordagem e interpretação. Rabi Shneur Zalman, o Báal ha Tanya, conhecido aos seguidores de Chabad como o Alter Rebe, também foi autor de muitas outras obras, clássicos da literatura de Chabad.
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Referência Bibliográficas
O 1º REBE – Rabi Shneur Zalman – O Alter Rebe – pt.chabad.org